![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 1 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/51b1/63c0/17c2/6200/00fd/newsletter/GRUPO_BANGA.jpg?1601065384)
O momento talvez nunca tenha sido tão propício a investirmos nossas energias em projetos virtuais, afinal, fomos parcialmente privados do contato com o mundo concreto das coisas. Explorando a particularidade do momento atual e a potência de engajamento da internet, um grupo de arquitetas e arquitetos de Angola deu início a um trabalho ambicioso: buscar uma nova identidade para a arquitetura angolana.
Formado por Yolana Lemos, Kátia Mendes, Mamona Duca, Elsimar de Freitas e Gilson Menses, o Grupo BANGA é responsável pelo projeto Cabana de Arte, que une os esforços de jovens arquitetos e artistas de Angola em trabalhos virtuais que buscam trazer visibilidade a profissionais emergentes e aproximar a arquitetura do cotidiano das pessoas.
Leia, a seguir, a entrevista realizada com o grupo.
Romullo Baratto: Poderiam contar um pouco sobre as motivações que levaram à criação do grupo BANGA e o que os levou a desenvolver o projeto “Cabana de Arte”?
Grupo BANGA: O grupo BANGA é uma iniciativa de jovens arquitetos angolanos que, estimulados pela riqueza cultural de Angola, decidiram unir forças de forma a produzir e contribuir não apenas para a arquitetura nacional, como para as artes em geral. Existia em nós a vontade em divulgar a arte e arquitetura angolanas, de dar a conhecer os nossos artistas e arquitetos(as) emergentes no mundo profissional. O nosso foco será sempre a exaltação do que é angolano, do que representa Angola.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 4 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3bdc/63c0/1761/7700/0174/newsletter/6._(EKUMBI)_Eu_sou_o_sol_-_as_marcas_perpetuadas_em_mim_(2)_-_Sala_de_Exposi%C3%A7%C3%A3o.jpg?1601059792)
O projeto Cabana de Arte, por sua vez, surge como um dos projetos base do grupo, aliado a um dos principais motivos que levou à sua formação: a divulgação de artistas e arquitetos(as) jovens angolanos(as). Como arquitetos e angolanos, a preocupação com o futuro (e presente) da arquitetura nacional é um consenso geral. A identidade arquitetônica em Angola é um assunto que tem estado na mesa por muito tempo entre a comunidade de arquitetos e pensadores. No entanto, sentimos que é importante não apenas falarmos sobre o assunto, mas agir com soluções práticas, acreditando que o que muda o mundo são as ações. Mostrar a força, principalmente, da comunidade dos jovens arquitetos nacionais, só é possível se unirmos energias e colaborarmos uns com os outros, a partir de trocas de experiências.
Outro fator que nos impulsionou a criar este projeto, foi o fato de entendermos que a as artes não podem ser desassociadas da arquitetura, principalmente quando procuramos uma identidade. Devem ser aliadas, de forma a ajudar a encontrar um caminho. O grupo decidiu, então, que o espaço virtual seria uma ferramenta interessante a ser explorada e talvez mais fácil na divulgação e visualização das exposições que unem o trabalho destes arquitetos e artistas. Queremos levar a arte nacional para dentro da casa das pessoas, de forma fácil, interativa e rápida.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 6 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3bb4/63c0/1761/7700/0173/medium_jpg/3._O_Corpo_Expandido__a_performance_como_elemento_de_transcend%C3%AAncia_(2)_-_Vista_da_Sala_de_Reflex%C3%A3o.jpg?1601059750)
RB: O projeto “Cabana de Arte” é simbólico pois materializa no mundo virtual visões que enfrentariam muitas dificuldades antes de serem realizadas no mundo concreto. Vocês enxergam o digital como uma possível alternativa à produção arquitetônica angolana e, em maior escala, africana?
GB: O projeto surge no meio de um situação anormal para o mundo, onde a pandemia de Covid-19 apanhou a todos de surpresa. Assim, o meio virtual não era só uma opção, mas sim a única opção disponível no momento. Era, também, a opção mais "econômica", visto que os projetos têm um custo de obra "zero", mas mantêm o mesmo profissionalismo, a qualidade arquitetônica, visual e artística que se espera ao se construir um edifício. Acreditamos, ainda, que o mundo virtual é uma alternativa interessante de vermos arquitetura ou interagirmos com as artes em geral. Sabemos que este não substitui a emoção de conhecer e habitar um espaço, a lembrança de um toque, um cheiro, uma percepção... acreditamos que são coisas que o mundo virtual ainda não proporciona. Entretanto, é uma ferramenta que deve ser explorada – essencial no projeto, divulgação e partilha da arquitetura angolana e africana.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 8 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3bfc/63c0/17c2/6200/00eb/newsletter/O_SOBA_VAI_%C3%80_COMUNIDADE_(2).jpg?1601059828)
É interessante pensar que em poucos cliques conseguimos conhecer mais sobre um lugar, uma ideia, um artista. É neste sentido que achamos interessantes estas exposições virtuais, onde, a partir de qualquer parte do mundo, conseguimos conhecer histórias de angolanos (artistas, arquitetos...) e saber o que eles têm a nos contar. Por outro lado, tem sido interessante a interação entre arquitetos e artistas, ao mesmo tempo que desafiador, pois não é fácil transmitir todos os ideais às pessoas num espaço virtual. Mas, quando conseguimos vencer esta barreira e entendemos que já que não se trata de um espaço real que deve respeitar as leis da física, as exposições transcendem para outro nível, em que podemos arriscar e explorar soluções. É de interesse do grupo passar para a realidade, no entanto, até existirem meios e apoios que transformem os projetos em obras físicas e habitáveis, o mundo digital é um ótimo meio de divulgação da arquitetura.
RB: Mas, nesse sentido, como o problema do acesso à internet é visto e abordado pelo grupo?
GB: A questão do acesso à internet é muito pertinente. Temos noção que ainda não é a maior parte da população em Angola que tem acesso rápido e fácil à mesma. As atividades, projetos e ensaios realizados pelo grupo são feitos ou divulgados pelo nosso site e redes sociais, impossibilitando assim, que o conteúdo seja acessado pela grande massa angolana. Esta é uma barreira, se pensarmos nas condições da população geral no país. Acreditamos que isso possa ser ultrapassado com o tempo, pois a nossa intenção é que as exposições saiam da tela para a vida real, sendo acessível à todas as camadas sociais no país.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 7 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3ba2/63c0/17c2/6200/00e9/medium_jpg/1._Cokwe__a_terra_como_tela_(1)-_Planta_Piso_0.jpg?1601059719)
Os planos para o futuro do grupo centram-se em agir localmente, diretamente com a população em projetos participativos e inclusivos. Um dos objetivos do grupo é permitir que o conteúdo seja consumido por todas as camadas sociais, virtual ou fisicamente. A faceta física está a ser estudada em projectos futuros. Até lá, temos trabalhado bastante na divulgação, para que as exposições alcancem o maior número possível de pessoas.
RB: Sabemos da influência do modernismo na arquitetura de Angola do século XX e, contraposto a ela, vemos as obras virtuais de arquitetura que o grupo vem desenvolvendo, que transitam pela herança vernacular. Nesse sentido, parece que a identidade (ou as várias identidades) da arquitetura nacional angolana, que vocês buscam e comentam, passa pelo vernáculo. Poderiam falar um pouco sobre isso?
GB: Precisamos entender que tanto a arquitetura vernacular, como a arquitetura de influência Modernista e construída na época colonial são heranças arquitetônicas para Angola. Para o grupo, o caminho para uma identidade na arquitetura contemporânea angolana reside em unir o melhor dos dois mundos e aprender com o passado. O fato de, até ao momento, a maior parte dos projetos apresentados nas seis exposições centrarem-se numa arquitetura vernacular, mostra-nos a vontade dos arquitetos nacionais em valorizar as nossas técnicas tradicionais de construção, bem como os materiais locais.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 5 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3bef/63c0/1761/7700/0175/newsletter/O_SOBA_TEM_ALGO_A_DIZER.jpg?1601059812)
Os projetos modernistas desenvolvidos em Angola em meados do século XX foram fundamentais para se pensar questões intrínsecas ao país. Não podemos deixar de reconhecer que estes edifícios marcaram a história da arquitetura produzida em Angola e cuja questões levantadas são pertinentes até os dias atuais.
Da arquitetura vernacular podemos dizer o mesmo, acrescentando que o uso de materias locais, baratos e de fácil acesso nos aproxima ainda mais de uma arquitetura identitária, procurando a inclusão, identificação e engajamento comunitário. Os elementos vernaculares permitem fazer a ponte entre o que é verdadeiramente oriundo de Angola e o que será a arquitetura contemporânea angolana. Podemos, então, dizer que a arquitetura vernacular está ligada à noção de "identidade" que se pretende atingir, ou seja, a arquitetura deve ser resultado do lugar, do povo e da história. Mas sabemos que este é um processo longo que envolve muita investigação e trabalho.
![Em busca de uma identidade para a arquitetura angolana: entrevista com o grupo BANGA - Imagem 2 de 8](https://images.adsttc.com/media/images/5f6e/3b82/63c0/17c2/6200/00e8/medium_jpg/2._Tchitundu-Hulu__a_hist%C3%B3ria_resgatada_(1)_-_Vista_da_Pra%C3%A7a.jpg?1601059705)
RB: A previsão de crescimento das cidades na África é assombrosa e não deixa margem para dúvidas: o futuro do planeta é urbano e africano. O que vocês vislumbram ou esperam para o futuro (que já está em marcha) da arquitetura em Angola?
GB: Como angolanos e arquitetos, mantemos a esperança de poder contribuir e ver o desenvolvimento em grande escala da arquitetura nacional. A identidade é um fator importante para nós, por isso procuramos no passado diretrizes para o futuro. Infelizmente, vemos na atualidade o crescimento das cidades em Angola, particularmente Luanda, com grande influência de realidades que não nos pertencem. Somos vítimas da globalização, da corrupção e má gestão dos nossos recursos. Acreditamos que o arquiteto tem um papel fundamental no futuro das cidades, mas num contexto africano, ainda não ganhamos voz suficiente para contornar os interesses políticos escancarados. Esta é uma barreira a ultrapassar, não só na área da arquitetura. Assim, é muito importante que a comunidade de arquitetos para além de debater o que está mal, comece aos poucos a trilhar um caminho e abrir portas para que as próximas gerações tenham referências e se identifiquem com a arquitetura construída hoje no país. Este é um trabalho que não é fácil e que exige mais iniciativas, investigações, pesquisas e apoios.
Temos uma história e cultura ricas, a pergunta é como tiramos partido desta herança hoje? Se pararmos para pensar, atualmente, não temos muitas novas referências no âmbito da arquitetura contemporânea nacional (construída). As referências continuam a ser a arquitetura modernista do século XX (projetada por portugueses na época colonial) ou a arquitetura vernacular (sem desmerecer as mesmas, pois sempre serão referências). Acreditamos que este fato tem muito a dizer sobre o estado da nossa arquitetura hoje.